O rádio nasceu no Brasil, oficialmente, em 7 de setembro de 1922, nas comemorações do centenário da Independência do país, com a transmissão, à distancia e sem fios, da fala do presidente Epitácio Pessoa na inauguração da radiotelefonia brasileira. Roquette Pinto, um médico que pesquisava a radioeletricidade para fins fisiológicos, acompanhava tudo e, entusiasmado com as transmissões, convenceu a Academia Brasileira de Ciências a patrocinar a criação da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, que viria a ser a PRA-2.
A rádio só começou a operar, no entanto, em 30 de abril de 1923, com um transmissor doado pela Casa Pekan, de Buenos Aires, instalado na Escola Politécnica, na então capital federal. Pessoalmente, ao cumprir tarefa em pequeno estúdio de rádio, em 1933, aos 11 anos de idade, na Rádio Sociedade da Bahia, a PRA-4 de Salvador, aprendi que as primeiras emissoras eram clubes ou sociedades de amigos, em geral, nascidas da união de curiosos encantados com a sensacional novidade.
Os famosos “galenas” eram pequenos e artesanais receptores de sulfeto de chumbo ao natural, que com uma antena de arame fino captavam vozes e sons vindos pelo ar. No transcorrer dos meus oitenta anos de trabalho, muitas vezes me perguntaram sobre o inicio da radiodifusão e onde operou a primeira emissora. A resposta padrão passou a ser: “nosso país não tem tradição de preservar a memória nacional. Por isso, as controvérsias vão sempre existir.”
Uma das pistas para esclarecer é saber o nome de batismo: emissoras com clube ou sociedade em seu nome e o prefixo PR são comprovadamente as pioneiras. É o caso da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, a PRA-2. Isto não impedia que, no Recife, Oscar Moreira Pinto e um grupo de amigos transmitissem sons e palavras antes do Rio de Janeiro e proclamassem a sua Rádio Clube de Pernambuco como pioneira. Apenas oficialmente registrada depois como PRA-8. Em São Paulo, jovens engenheiros começaram com a Rádio Educadora Paulista. Quase ao mesmo tempo, os baianos entraram no ar com a Rádio Sociedade, a PRA-4, enquanto cearenses organizaram a Ceará Rádio Clube. O Rio de Janeiro inaugurou sua segunda emissora – a Rádio Clube do Brasil – a PRA-3, diferente por ser comercial, a primeira a requerer e ser autorizada pelo Ministério da Viação e Obras Públicas, via Correios e Telégrafos, a veicular anúncios.
Em dois anos (1923- 1924) eram muitas as emissoras em operação. No Rio Grande do Sul, a Sociedade Rádio Pelotense, de Pelotas, e em Porto Alegre, a Rádio Sociedade Gaúcha, que até hoje se proclama a pioneira no Sul do país. Em Minas Gerais, a Rádio Clube Belo Horizonte, com um potente transmissor de 500 watts; em Curitiba, a Rádio Clube Paranaense; em São Paulo, mais uma, a Rádio Clube São Paulo e a primeira emissora do interior, a Rádio Clube Ribeirão Preto. A partir daí, surgiram emissoras de rádio por todo o Brasil, como a Rádio Clube do Pará, no extremo Norte, e as fronteiriças do Rio Grande do Sul.
E antes das PRs? Apareceu alguma novidade? Em 10 de junho de 1900, o “Jornal do Comércio”, do Rio de Janeiro, relatou a experiência em 1893, do padre gaúcho Roberto Landell de Moura, com vários aparelhos de sua invenção. No Alto de Santana, em São Paulo, o jovem sacerdote e promissor cientista, em meio a seus estudos, fizera importantes descobertas sobre a propagação do som, da luz e da eletricidade, através do espaço, da terra e dos mares. Sem recursos e sem apoio, Landell de Moura não patenteou seus inventos.
Um físico italiano, Marconi, no entanto, em 1898, durante exposição em Londres patenteou o seu telégrafo sem fio, e mais tarde, a radiodifusão. Tornou-se pai da radiodifusão mundial. Landell de Moura voltou-se para a fitoterapia. Aos 67 anos, frustrado e doente, faleceu, anônimo, em setembro de 1928, em Porto Alegre.
Décadas no ar sem atos regulatórios do poder
O paraibano Epitácio Pessoa, nos últimos dias do seu mandato, em 7 de setembro de 1922, anunciou o início da radiodifusão no Brasil. Para aquele anúncio se tornar lei, houve apenas uma única medida depois da festiva transmissão direta durante a Exposição do Centenário da Independência, com a presença do Rei da Bélgica. A histórica decisão era simples. Apenas designava a Repartição Geral dos Correios e Telégrafos, então departamento do Ministério da Viação e Obras Publicas, responsável pelas transmissões de radiotelegrafia e da radiotelefonia. Foram necessários mais seis meses para a homologação do regulamento dos serviços. E desde então, o único ato conhecido foi o “de acordo” prontamente concedido ao pedido do fundador da Rádio Clube do Brasil, do Rio de Janeiro, para inserir publicidade comercial na programação.
Oito anos depois, o mineiro Arthur Bernardes e o paulista Washington Luis ocuparam a presidência da República, mas só no primeiro governo de Getúlio Vargas, em 1931, houve nova manifestação do Poder Público para regular a atividade da radiodifusão. Os gaúchos comandaram a revolução que derrubou a Primeira República. Instalada, a Junta Provisória de Governo demonstrou conhecer e se preocupar com a penetração do rádio no país. As duas ou três dezenas de emissoras no ar até 1925 eram agora centenas espalhadas por todo o Brasil – número em constante crescimento.
Com Getúlio Vargas no poder, em 27 de maio de 1931, foi publicado o decreto 20.047, que revogava o Regulamento de 1923 e adotava integralmente o modelo de radiodifusão norte-americano. Pontos principais eram a concessão de canais a particulares e a legalização da propaganda comercial. O decreto saiu no “Diário Oficial”, onde também, em outra data próxima, o Departamento de Correios e Telégrafos foi autorizado a cobrar uma taxa a todo possuidor de um receptor. Entretanto, o órgão jamais conseguiu aplicar a autorização. O Regulamento de Maio de 1931 – que se diga era detalhado – andou de gavetas em gavetas ministeriais e somente em 1º março de 1932 foi finalmente aprovado, pelo decreto 21.111, o primeiro diploma legal que definiu importante alteração.
Dizia textualmente: “O governo da União promoverá a unificação de serviços de radiodifusão no sentido de construir uma rede nacional que atenda aos objetivos de tais serviços e que a orientação educacional das estações da rede nacional de radiodifusão caberá ao Ministério da Educação e Saúde Pública e sua fiscalização técnica competirá ao Ministério da Viação e Obras Públicas”. O decreto declara expressamente que o Governo Federal concederia freqüências de rádio a sociedades civis nacionais.
Primeiros projetos de um Código Brasileiro de Radiodifusão
O Poder Executivo ficou praticamente ausente do crescimento vertiginoso do rádio. Mas, em setembro de 1934, com a outorga de uma nova Constituição, concluída sob forte influência do governo revolucionário, Getúlio Vargas foi novamente empossado como presidente da República e instituiu o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), que impunha controle de conteúdo nas transmissões. O DIP era diretamente vinculado ao presidente.
Em 10 de novembro de 1937, em plena campanha para eleição do paulista Armando Sales de Oliveira e do paraibano José Américo de Almeida, seu candidato e ministro, Vargas surpreendeu o país com uma nova Carta Política, dissolvendo o Congresso e implantando o Estado Novo. Estavam começando no Brasil as vendas de receptores de ondas curtas que, no exterior, se tornaram o veículo da propaganda ideológica e cultural. Em 1932, explodiu em São Paulo a Revolução Constitucionalista e o rádio foi o grande veículo de integração da sociedade. Adolf Hitler assumira o poder na Alemanha destroçada e, com Goebbels, ministro da propaganda, dominou o rádio, fundamental para sua comunicação com os alemães e com o resto do mundo.
O ano de 1938 foi o divisor de águas: O Brasil parou para ouvir as transmissões dos jogos da Copa do Mundo, sediada na França, e se rendeu ao jornalismo radiofônico que informava sobre os temores de guerra na Europa. Códigos e normas legais para radiodifusão brasileira foram adiados. A 3 de setembro de 1939, os motomecanizados do já poderoso exército alemão partiram da Áustria, então incorporada ao Reich, e horas depois cercavam Varsóvia, a capital da Polônia. Começara a Segunda Guerra Mundial com Inglaterra e França enfrentando a expansão alemã. No Brasil, Vargas agia com sua inegável capacidade política, deixando transparecer simpatia pelos nazistas, enquanto seu chanceler Oswaldo Aranha trabalhava pelo bom relacionamento com a Inglaterra e os Estados Unidos.
As ondas curtas traziam todos os dias, às 21 horas, pela BBC, o histórico programa de “Aimberê”, o brasileiro Manuel Braune que, mais tarde, comandou a implantação da TV em Pernambuco, a convite de Assis Chateaubriand. Em dezembro de 1941, aliando-se à Alemanha, o Japão atacou a base aérea de Pearl Harbor nos Estados Unidos. Roosevelt declarou guerra no Pacífico. Meses depois, navios de passageiros brasileiros foram afundados nas costas do Nordeste. Em 1942, o Brasil declarou guerra ao chamado Eixo, enviou pilotos da Força Aérea e Força Expedicionária para os campos de batalha europeus. Em 8 de maio de 1945, os nazistas se renderam. A guerra continuou no Pacífico. Vargas, habilmente, lançou a candidatura de seu Ministro da Guerra, Eurico Gaspar Dutra, eleito presidente pelo Partido Social Democrático (PSD), em coligação com o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), com o apoio de empresários.
Empossado em 31 de janeiro de 1946, o general Gaspar Dutra surpreendeu os políticos com sua firmeza e respeito às leis. Getúlio retornou a São Borja, sua cidade natal, para preparar sua volta ao poder. Em 1950, ano da primeira Copa do Mundo no Brasil, Assis Chateaubriand inaugurou, em São Paulo, a era da televisão. Agora, mais do que nunca, era a hora de pensar no Código Brasileiro da Radiodifusão. Até então, no Congresso Nacional, praticamente haviam desaparecido as discussões sobre a criação de um código para o setor.
Longos debates no Congresso
Somente em 1958, com Juscelino Kubistchek na presidência, surgiu um amplo projeto de Código apresentado pela bancada da UDN. Seu autor era o deputado e radialista Nicolau Tuma, paulista que desde os 18 anos começara sua carreira como locutor esportivo na Rádio Educadora Paulista e se tornara popular pela forma como narrou um jogo entre seleções de São Paulo e Paraná. Em 90 minutos narrou dez gols (6 a 4 para os pauIistas) com tal velocidade, clareza e entusiasmo que logo ficou famoso como o “speaker-metralhadora”. Marcou época, ficou popular, sendo eleito vereador por São Paulo e, mais tarde, deputado federal.
Em 1946, a Associação das Emissoras de São Paulo (AESP) realizara um congresso no Rio de Janeiro, cujo tema principal era a discussão de um Código Brasileiro de Radiodifusão. Um projeto foi aprovado e, por intermédio do deputado Berto Condé, levado à Câmara dos Deputados, onde permaneceu sem discussão.
Naquele mesmo mês, a 7 de outubro de 1946, era fundada a Associação Interamericana de Radiodifusão (AIR), no México.
Getúlio Vargas retornara ao poder, decretara a alteração da lei existente, reduzindo para três anos a duração das concessões de canais radiofônicos. A luta política envolvia líderes carismáticos e combativos, que mantinham dura e contundente oposição, entre eles o jornalista Carlos Lacerda, estreitamente vinculado aos oficiais da Força Aérea. Em 1954, em inquietante clima de tensão, o governo de Vargas foi envolvido por um escândalo relacionado a sua poderosa guarda pessoal, em conexão com seu irmão Benjamin Vargas. No auge dos acontecimentos, Carlos Lacerda foi vítima de um atentado, na rua Toneleros. Pressionado e sem apoio militar, na madrugada de 24 de agosto de 1954, deixando uma carta testamento, Getúlio se suicida, em seus aposentos no Palácio do Catete. Os acontecimentos políticos adiaram mais uma vez o surgimento de um Código Brasileiro de Radiodifusão.
O carismático ex-prefeito e governador de São Paulo, Jânio Quadros, é eleito então presidente da República. A 30 de maio daquele ano, Jânio baixou o decreto n. 50.666, criando o Conselho Nacional de Telecomunicações, diretamente subordinado à presidência, mantendo, no entanto, a Comissão Técnica de Rádio, como sempre no âmbito do
Ministério da Viação e Obras Públicas.
O ex-ministro e presidente do Senado Alexandre Marcondes Filho havia levado ao Senado um projeto mais amplo, denominado Código Brasileiro de Telecomunicações. As discussões, em separado na Câmara e no Senado, finalmente agora tomavam fôlego, quando Jânio Quadros renunciou à presidência. Seu companheiro de chapa era João Goulart, que assumiu finalmente o poder depois de muitos entendimentos e manobras políticas.
Depois de tantos anos, em 1962, cabia a Jango – como era conhecido o ministro do Trabalho de Vargas – o ato final de sancionar o primeiro Código Brasileiro de Telecomunicações do país. Sua resposta foi o veto a 52 artigos, o que o Congresso derrubou.